Dentro do contexto das mudanças climáticas, com o aquecimento global, podemos esperar “ondas de calor” com maior frequência.
E como isto afeta o nosso coração? E nos cardiopatas, quais seriam as consequências?
Os efeitos climáticos extremos seja calor ou frio excessivo demandam do nosso organismo mecanismos de compensação para manter a nossa homeostase compatível com a vida.
A homeostase pode ser definida como a manutenção do nosso equilíbrio interno a despeito do que ocorra externamente em relação as condições atmosféricas (temperatura, umidade do ar, pressão atmosférica e radiação).
O Calor
O calor demanda um consumo energético elevado para a manutenção da nossa homeostase.
Ocorre a vasodilatação periférica e a taquicardia, aumentando o fluxo sanguíneo para a pele e a troca de calor com o meio ambiente pelo suor.
O suor é composto principalmente de água e pequena quantidade de eletrólitos: sódio, cloro, potássio e magnésio.
O suor é liberado pelas glândulas sudoríparas presentes em toda superfície corporal, mas com maior quantidade nas mãos nos pés, nas axilas e na testa (locais aonde suamos mais).
Desta forma o suor é mecanismo fundamental na termo regulação do nosso organismo.
No calor intenso, num primeiro momento, pode ocorrer a hipertensão pela ativação do sistema renina-angiotensina visando a redução da diurese e retenção de liquido para reduzir a possibilidade de desidratação.
Entretanto, a vasodilatação e a transpiração exageradas trazem como consequência a hipovolemia (redução do volume sanguíneo), perda de eletrólitos, a retenção de liquido no espaço extracelular, a redução da filtração glomerular nos rins.
Isto resultará em hipotensão, inchaço nas pernas e desidratação.
Este conjunto de fatores, se ocorrer em grande intensidade, pode levar a síncope e a perda de consciência por baixo fluxo cerebral, com riscos à vida.
Os sintomas da desidratação leve a moderada e que servem de sinais de alerta são: sede, boca seca, diminuição da produção de urina e pele que perde a elasticidade. Também pode se notar uma redução da transpiração.
Neste momento é prudente aumentar a ingesta de água e eletrólitos, procurar ambientes de clima mais amenos e evitar exercícios que possam agravar o quadro.
Se a desidratação progredir para uma maior gravidade o indivíduo pode apresentar palidez, taquicardia, pulso fraco, hipotensão postural (queda da pressão arterial ao se levantar), confusão metal e no agravo da mesma evoluir para um choque circulatório e coma pela hipovolemia.
Os idosos, as crianças e os cardiopatas são mais vulneráveis a desidratação.
Existe uma associação clara entre calor e mortalidade por doenças cardiovasculares (Liu et al., 2015).
Efeitos nos Cardiopatas (portadores de doença cardíaca)
Os cardiopatas são ainda mais vulneráveis ao calor pois possuem menor reserva cardíaca, ou seja, a capacidade de se adaptar a situações de estresse que demandem ajustes compensatórios do sistema cardiovascular.
Pacientes portadores de Insuficiência cardíaca são mais vulneráveis a descompensação pelo aumento da frequência cardíaca e pela hipovolemia.
A hiponatremia pode ocorrer em decorrência da transpiração exagerada, principalmente se a reposição hídrica for feita com líquidos que apresentem baixa concentração de sódio, aumentando o risco de morte.
Os cardiopatas portadores de arritmia cardíaca são muito sensíveis a variação da concentração sanguínea de potássio. A perda de potássio excessiva no suor gerando hipopotassemia e sem a adequada reposição pode ocasionar arritmias ventriculares potencialmente perigosas.
Por outro lado, na desidratação intensa, podemos ter a hiperpotassemia que também pode desencadear arritmias graves.
Na cardiopatia isquêmica, o aumento do consumo de oxigênio provocado pela taquicardia, vasodilatação periférica e aumento do débito cardíaco podem resultar em isquemia miocárdica aguda manifestada por angina pectoris (dor precordial).
O endotélio (tecido que reveste o coração e os vasos sanguíneos) pode ser lesionado pelo aumento da temperatura corporal resultando em trombose e oclusão de arteríolas e capilares, ocasionando microinfartos e potencial colapso circulatório.
O risco de hospitalização por infarto do miocárdio aumenta em 1,6% a cada 1 °C de aumento na temperatura (Sun et al., 2018).
Interação entre o calor e os medicamentos cardiovasculares
Os diuréticos agravam a desidratação e a hipovolemia ocasionando desbalanceamento hidroeletrolítico conforme o diurético utilizado:
Ação Farmacológica | Nome farmacológico | Efeito colateral |
Diuréticos de alça | Furosemida /Bumetanida | Hiponatremia/ Hipopotassemia |
Tiazídicos | Hidroclorotiazida/ Clortalidona/ Indapamida | Hipopotassemia |
Poupadores de potássio | Espironolactona/ Triantereno/ amilorida | Hiperpotassemia |
Os antiarrítmicos podem potencializar a desidratação por efeitos colaterais como náuseas e vômitos.
Também podem ocorrer efeitos pró-arrítmicos (agravo das arritmias cardíacas) decorrentes do desbalanço hidro eletrolítico. O desbalanço hidroeletrolítico também favorece intoxicação nos pacientes que utilizam o digital que é um medicamento cardiotônico.
Os pacientes hipertensos em tratamento com a classe dos antagonistas do cálcio ( anlodipino, felodipino, diltiazem, novanlodipino, verapamil e nifedipino) estão sujeitos a hipotensão grave pela hipovolemia e desidratação.
Outra classe muito utilizada no tratamento da hipertensão e da insuficiência cardíaca são os medicamentos que inibem o sistema renina angiotensina: Captopril, enalapril, ramipril, losartana, olmesartana, candesartana entre outros.
Estes medicamentos podem ocasionar hipotensão, hiponatremia e hipotermia. Este último efeito pode ocorrer devido a vasodilatação periférica e comprometimento da termorregulação.
Os Betabloqueadores (atenolol, propanolol, bisoprolol, metoprolol, carvedilol, entre outros) por outro lado, aumentam a possibilidade de hipertermia por inibir a vasodilatação periférica dos vasos e reduzir a capacidade orgânica de dissipar o calor por convecção.
A maioria, se apresentar efeitos colaterais como vômitos e diarreias, irão ocasionar ou agravar a desidratação provocada pelo calor.
Nitratos, por sua vez podem causar hipotensão e desidratação principalmente se associado a náuseas e vômitos.
Importante ressaltar que não estamos recomendando a suspensão de medicamentos cardiovasculares de uso contínuo no calor, mas em determinadas situações pode ocorrer a necessidade do ajuste de doses e eventualmente suspensão temporária, mas sempre sob orientação médica.
Em resumo, podemos concluir que o calor é uma agente estressante do nosso organismo e que exige uma série de adaptações fisiológicas para a manutenção da homeostase.
O calor excessivo representa um perigo pelo risco de exaustão dos nossos mecanismos compensatórios, sobretudo nos cardiopatas, que já tem uma reserva limitada de compensação.
É imperioso mitigar os efeitos do calor com hidratação adequada, reposição hidroeletrolítica, evitar exposição prolongada ao calor intenso ou sol excessivo e não se exceder no esforço físico.
Cuidados que devem ser mais intensivos nos cardiopatas, que necessitam de orientação do cardiologista em relação ao tratamento.
Bibliografia:
Mudança do clima para profissionais da saúde: Guia de bolso © Organização Pan-Americana da Saúde, 2021
Liu C, Yavar Z, Sun Q. 2015. Cardiovascular response to thermoregulatory challenges. American Journal of Physiology – Heart and Circulatory Physiology, 309(11): h1793- 812. doi: 10.1152/ajpheart.00199.2015 Sun Z, Chen C, Xu D, Li T. 2018. Effects of ambient temperature on myocardial infarction: A systematic review and meta-analysis. Environmental Pollution, 241:1106-1114. doi: 10.1016/j.envpol.2018.06.045